Segundo o dicionário Michaelis, a tortura é o “ato ou efeito de torturar; tormento que se infligia a um acusado para conseguir dele certas respostas ou denúncias”. Essa prática, comum no Brasil desde a colonização, vem sendo combatida por defensores dos Direitos Humanos, mas ainda encontra dificuldades na legislação nacional, principalmente nos casos que envolvem violência praticada pelo Estado, como no caso das torturas registradas no período da ditadura militar.
Em uma análise ampla, o aluno do curso de direito, William Pereira e o professor Thiago Oliveira Moreira, do Departamento de Direito Privado, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) desenvolveram a pesquisa “Tortura no Brasil Contemporâneo”. O estudo cita algumas falhas na legislação que trata de tortura e casos, onde houve necessidade da ação da Corte Internacional de Direitos Humanos, para garantir os direitos de cidadãos brasileiros que foram negados em todas as instâncias legais no país.
A pesquisa surgiu a partir de uma atividade da disciplina Direito Internacional dos Direitos Humanos, ministrada pelo professor Thiago Moreira, sendo a UFRN, uma das poucas Universidades do país a oferecer tal formação. Para o professor Thiago, “a disciplina e os nossos grupos de trabalho da UFRN contribuem para reflexões a respeito do direito internacional e da importância de despertar as pessoas para esse meio como forma de garantir os direitos dos cidadãos brasileiros”.
O artigo analisa o papel dos órgãos internacionais de Direitos Humanos nas situações em que o Brasil não é capaz de garantir tais direitos aos cidadãos. Segundo a pesquisa, o poder judiciário é o protetor dos direitos humanos, mas quando o próprio Estado é o torturador, os culpados podem ficar impunes, porque a justiça também faz parte do Estado. Nesses casos, o que resta para a vítima é buscar o sistema internacional de proteção que, no caso da América Latina, é o sistema interamericano composto pela Comissão e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Dentre as ações desenvolvidas pela Corte e analisadas na pesquisa destaca-se o caso da condenação do Estado brasileiro contra a morte de Damião Ximenes Lopes. Segundo o processo, Damião Ximenes foi torturado nas dependências da Casa de Repouso, onde havia sido internado para tratamento psiquiátrico, na cidade cearense de Sobral, na década de 1990. Além desse caso, o estudo também registra o desaparecimento forçado de integrantes da Guerrilha do Araguaia, durante as operações militares nos anos de 1970, em pleno regime militar.
Para William Pereira, a pesquisa é um registro da fragilidade do governo brasileiro que não costuma punir os torturadores. “A Argentina já puniu mais de 600 culpados pelo crime de tortura. No Brasil, quase ninguém foi condenado”, afirma. Ele também considera a lei de anistia um agravante nesses casos: “A lei de anistia é um dos fatores agravantes por proteger alguns desses crimes e, por isso, deveria ser definida como inconstitucional. Mas parece que há um acordo político para não atingir ninguém”, avalia.
Avanços
A pesquisa aponta que a Constituição de 1824 que abolia os açoites, a marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis, não garantiu que os negros escravos deixassem de ser torturados, nem que a tortura continuasse a ser usada como forma de obter revelações de presos. Essa atitude se generalizou durante a ditadura e somente em 1988, com a Constituição Federal, foi determinado que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
Apenas em 1994, foi criada a lei 9.455, que tipificou o crime de tortura e, em 1995, o Estado brasileiro conseguiu reconhecer as mortes das pessoas que desapareceram durante a Ditadura Militar, com a lei 9.140. Já em 2002, foi editada a lei 10.559 que criou normas para reparar os afastados ou demitidos durante a ditadura.
Segundo William Pereira, o trabalho mostra que o processo de adoção de medidas de combate à tortura é lento. “O Brasil aderiu a várias convenções, como a Interamericana, para prevenir e punir à tortura, mas há uma lentidão que é reflexo de um processo de constituição histórico-política do Brasil, que foi solidamente criado com base no coronelismo, fruto de um sistema senhoral desenvolvido no período colonial brasileiro”, explica.
Seminário
A pesquisa “Tortura no Brasil Contemporâneo” será apresentada no Grupo de Trabalho “Direito Internacional e sua efetivação na ordem jurídica interna”, como parte do XX Seminário de Pesquisa do CCSA. O evento acontece de 4 a 8 de maio de 2015, no Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA), localizado no campus central da UFRN. O Seminário contará com 192 pesquisas apresentadas em forma de artigo e 325 em forma de pôster, além de 58 conferências e 59 minicursos.
A conferência de abertura será ministrada pelo professor Vladmir Safatle da Universidade de São Paulo (USP) e tem como tema “O esgotamento da democracia parlamentar e a reinvenção do político”. A palestra acontece na próxima segunda-feira (4) a partir das 19h, no auditório da Reitoria e é aberta ao público. A programação completa e outras informações sobre o XX Seminário de Pesquisa do CCSA podem ser conferidas na página www.seminario.ccsa.ufrn.br.
Por Jeferson Rocha
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