Política social

O texto a seguir foi construído a partir da colaboração de Camila Potyara (professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade de Brasília (UnB)). Para ver ou ouvir clique no vídeo acima!

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Para começarmos a entender a política social, é importante ter em mente que defini-la é uma tarefa árdua, já que esse é um conceito polissêmico e que vem sendo disputado por correntes teóricas e ideológicas de filiações políticas distintas, e até mesmo rivais. Embora hoje seja mais comum a sua interpretação como um dos mecanismos capazes de garantir proteção social à maioria da população, não se pode esquecer, conforme reflete Richard Titmuss, que Hitler chamou de política social a esterilização, os experimentos médicos e as condenações às câmaras de gás de grupos populacionais considerados inferiores pela Alemanha nazista. 

Assim, a definição aqui apresentada parte de uma visão de mundo particular que se pauta pela leitura crítica da realidade e que entende que é preciso ir além das aparências dos fenômenos, reconhecendo suas ambiguidades e contradições internas. 

Dito isso, entendo que temos que partir, em primeiro lugar, de uma definição que se afaste da ideia binária de que a política social é boa ou má, somente uma criatura do capital ou somente uma conquista do trabalho. Isso porque, se a considerarmos apenas ruim, ela é indefensável e, portanto, deve ser extinta. Ao contrário, se a tomarmos como sempre benéfica, não reconheceremos as possíveis armadilhas e desvantagens que ela carrega e nem compreenderemos a perene tentativa do capital em cooptá-la. 

Em segundo lugar, a definição de política social que defendemos entende que ela não se configura como um processo espontâneo ou natural das relações humanas, mas é produzida e reproduzida socialmente com o objetivo de atender demandas específicas de diferentes sujeitos e em diferentes fases históricas. Assim, a depender do sujeito com poder e do contexto no qual ele se encontra, a política social pode ser utilizada, com mais ênfase, em benefício das classes dominadas e da satisfação de necessidades sociais ou em benefício das classes dominantes, satisfazendo as necessidades do capital. Infelizmente, no capitalismo é essa última modalidade a que tem prevalecido, em especial, desde a década de 1970. 

Em terceiro lugar, a política social nasce da relação dialeticamente contraditória entre classes e entre Estado e sociedade, e situa-se em uma arena de disputas de interesses na qual estão em choque cada uma dessas instâncias. É no capitalismo, portanto, que a política social se torna: a) uma disciplina acadêmica, com saber próprio; b) um campo de atuação profissional para diferentes categorias e c) uma ação pública, geralmente estatal, com método, técnicas e estratégias voltados para o alcance de objetivos, se distanciando das indiferenciadas noções anteriores de regulação da pobreza ou de distribuição de recursos. 

De forma superficial, a política social pode ser definida como uma espécie de política pública, gerida pelo Estado e controlada pela sociedade, voltada ao atendimento de necessidades sociais. Trata-se de uma ação governamental dotada de intencionalidade e planejamento e que tem potencial de impactar positivamente as condições de vida, trabalho e saúde do seu público-alvo. 

Contudo, sabemos que estamos tratando de um processo complexo e contraditório que atende a dois senhores ao mesmo tempo, embora, neste cabo de guerra, ceda mais ao lado com mais força política. 

A política social no capitalismo desenvolveu-se sob diferentes modelos políticos e econômicos e precisou lidar com acontecimentos históricos que exigiram intervenção governamental especial. Assim, presente na Revolução Industrial, nas Grandes Guerras Mundiais, no nazismo e no fascismo, no II pós Guerra, nas graves crises econômicas dos séculos XX e XXI, na pandemia de Covid-19, a política social metamorfoseou-se, avançando e alcançando níveis de universalidade em determinados momentos, e regredindo, tornando-se focalizada, condicional e residual em outros.   

Embora intrinsecamente contraditória, o adjetivo social que nomeia esse tipo de política, só tem sentido se esta for controlada pela classe trabalhadora e funcionar para a satisfação de necessidades sociais e para a concretização de direitos sociais. Para tanto, só a luta política popular organizada pode alcançar êxito. 

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Quer saber mais? Leia:

BOSCHETTI, Ivanete; BEHRING, Elaine Rossetti. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2009. 

BOSCHETTI, Ivanete; BEHRING, Elaine Rossetti; SANTOS, Silvana Mara de Morais dos; MIOTO, Regina Célia Tamaso. Política Social no Capitalismo: tendências contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2008. 

ESPING-ANDERSEN, Gosta. As três economias políticas do Welfare State. In: Revista Lua Nova, nº 24, setembro de 1991. 

GÓIS, João Bôsco Hora; SOUZA, Sidimara Cristina de. Temas de Política Social: análises e discussões. Volume 1. Curitiba: CRV, 2019.  

PEREIRA, Camila Potyara. Proteção Social no Capitalismo: crítica a teorias e ideologias conflitantes. São Paulo: Cortez, 2016. 

PEREIRA-PEREIRA, Potyara A. Política Social: temas & questões. São Paulo: Cortez, 2008.