Por Jeferson Rocha e Suzie Chagas
Ela estava usando batom vermelho, veio sorrindo na minha direção e meio sem graça pediu: “Você poderia buscar minha bolsa lá em baixo? Vou desfilar algumas peças que esqueci dentro dela”. “Claro, pego, sim, mas só se você me der uma entrevista”. Era muito importante para Francisca de Fátima que aquele momento fosse perfeito, pois era o dia que ela realizaria o antigo sonho de desfilar. “Eu queria tanto ir ao Rodrigo Faro pra eu ser modelo um dia sabe? Daí Jesus me trouxe pra eu ser modelo por um dia”.
Autônoma e cuidadora de idosos, a modelo, moradora na Zona Leste de Natal, desfilou usando peças produzidas por Zuleide Silva, coordenadora do Clube de Mães Lourdes Guilherme – Mãe Luzia, no desfile II Fuxica – arte solidária na passarela. Realizado na Central de Comercialização de Produtos da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Cecafes), no dia 11 de maio, o evento promoveu 20 cooperativas de Natal e Região Metropolitana. O desfile objetivava incentivar o consumo de produtos locais pela população e promover a economia solidária.
O evento é uma iniciativa da Organização de Aprendizagens e Saberes em Iniciativas Solidárias e estudos no Terceiro Setor (Oasis), do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em parceria com a Incubadora Tecnológica para o Fortalecimento dos Empreendimentos Econômicos Solidários do IFRN (IFSOL), Campus Zona Norte, como resultado de auxílio de mais 20 cooperativas e associações de costureiras e artesãs da grande Natal. Essa segunda edição também teve apoio do Fórum Potiguar de Economia Solidária e da Feira Potiguar de Artesanato da Economia Solidária (Feirart).
O desfile exibiu diversas peças, roupas e artigos de artesanato produzidos pelas cooperativas e associações da grande Natal e foi aplaudido pelo público que circulava pela Cecafs. Para o professor Washington Souza, o desfile é uma ação positiva para as mulheres e para a economia solidária local: “Estamos diante de um segmento vulnerável, acho que o que dá ânimo é ver a felicidade dessas mulheres e desses grupos invisibilizados que nós conseguimos trazer para cá e dar toda essa visibilidade”, ressalta.
Fuxica
A ação nasceu da ideia de mostrar para a comunidade o trabalho das artesãs de Natal e ganhou esse nome em homenagem à produção da tipologia de artesanato conhecida como fuxico no nordeste inteiro. A primeira edição do projeto foi realizada pela Oasis e integrou a programação oficial do Natal em Natal de 2018, em parceria com a Fundação Capitania das Artes (Funcart). A atividade marcou o encerramento do ciclo de trabalhos e atividades de assessoria da incubadora da UFRN ao projeto Gestão Social, Tecnologias Sociais e sustentabilidade: Incubação de Empreendimentos Econômicos Solidários no Município de Natal, da então Subsecretaria de Economia Solidária (Senaes), do extinto Ministério do Trabalho.
Além de ser uma vitrine para os trabalhos das artesãs, o evento também serve para valorizar a economia solidária e desmistificar que o artesanato é apenas para os turistas: ”Se formos pelos princípios da economia solidária, logo pensamos que essa é a economia que vai mudar o mundo. O que eu vejo é que o artesanato não é, como as pessoas pensam, apenas relacionado ao turismo. Nós trabalhamos com utilidade, com pano de prato, por exemplo, vai depender da demanda”, afirma Ana Paula Santos, coordenadora da Cooperativa de Artesãs e costureiras de Parnamirim (CCAPAR).
Vidas
“Eu comecei a trabalhar muito nova. Devido a dificuldades, só meu marido trabalhava e a renda era pouca. Comecei no artesanato para aumentar a renda”. O artesanato mudou a vida de dona Zuleide Pedro da Silva, 68 anos, costureira e artesã, presidente do Clube de Mães Lourdes Guilherme, de Mãe Luiza, uma das associações participantes assistidas pela Oasis e participante do Fuxica em suas duas edições. O clube de mães é um dos mais antigos de Natal, e, após assumir a presidência, Zuleide mudou alguns procedimentos e hoje as sócias, além de serem capacitadas, produzem e comercializam os produtos junto à associação.
Com o apoio da Oasis, o clube e outras associações receberam novas máquinas e passaram a ter orientações sobre gestão de negócios e produtos, melhoria dos espaços e até da qualidade de vida das artesãs e suas famílias, afinal, o trabalho faz parte da vida das pessoas, como destaca dona Zuleide. ”É uma terapia, temos mãe que tem casos de depressão, e eu sempre digo pra elas que depressão se cura com arte. As mulheres começam a trabalhar, produzir e ganhar dinheiro, e daqui a pouco… adeus, depressão”, conta.
Segundo Washington Souza, o desfile é uma ação positiva para mulheres e economia solidária local
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A lista de cooperativas é extensa, e muitas delas não têm afinidade com o mundo da internet, de tecnologia emergentes. São mulheres simples e guerreiras que buscam sobreviver ao dia-a-dia com as ferramentas que possuem em mãos. Elas bordam, tricotam, costuram, fazem crochê, estampam e ainda vendem seus produtos, num consenso de trabalho coletivo em prol de um objetivo maior: de fortalecer umas às outras e prover sustento às suas casas. E por consequência mudando a realidade e ampliando as noções de consumo pré-estabelecidas. “Se pensarmos no trabalho com relação ao meio ambiente, à mulher, reciclando, nós vamos criando valores nas peças e vemos que podemos. Nós somos multiplicadoras”, conclui Ana Paula.
Oasis
O projeto II Fuxica – Arte solidária nas passarelas foi concebido pela incubadora Oasis pelo segundo ano consecutivo. É uma das atividades que, além de auxiliar com os processos administrativos e de produção, também contribui com as cooperativas na logística e na promoção dos produtos a fim de fomentar o crescimento da economia solidária no estado.
Interdisciplinar, o projeto dialoga com diversas áreas. “Envolvemos alunos de arquitetura para que eles racionalizem os espaços físicos e também para desenvolver equipamentos comunitários, como uma igreja ou uma praça que estamos fazendo em um assentamento. Nós também envolvemos estudantes de nutrição e enfermagem para promover ações de saúde coletiva e de acesso a serviços públicos. […] Nós já tivemos alunos de outras áreas como química, engenharia e até mesmo informática”, resume o professor Washington Souza, coordenador da Oasis.
Fundada em 2006, por meio de fomento da Rede Unitrabalho, a Organização de Aprendizagens e Saberes em Iniciativas Solidárias (Oasis) foi originalmente constituída como incubadora de empreendimentos populares coletivos da UFRN. Em 2013, para se alinhar a demandas internas do Programa de Pós-Graduação em Administração (mestrado e doutorado), a incubadora foi transformada no grupo Organização de Aprendizagens e Saberes em Iniciativas Solidárias e Estudos no Terceiro Setor, mantendo a sigla original Oasis, com atuação em três linhas de pesquisa: Agricultura familiar, segurança alimentar e nutricional e economia solidária; Empreendedorismo social e protagonismo juvenil; Gestão de organizações da sociedade civil, trabalho voluntário e terceiro setor.
Ação nasceu da ideia de mostrar para a comunidade o trabalho das artesãs de Natal |
Além de incubadora, a Oasis é cadastrada no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e opera mediante estratégias didático-pedagógicas integradas de ensino, pesquisa e extensão. Junto a jovens estudantes da educação básica pública, vinculados à agricultura familiar, a equipe atua preparando-os política e tecnicamente para o trabalho coletivo, a partir de projetos de ação voluntária de interesse público, em comunidades e escolas da rede pública de ensino, mediante metodologia de extensão de intervivência universitária.
Desenvolve, ainda, ações junto a empreendimentos econômicos solidários, preparando trabalhadores – jovens e adultos – para o trabalho e a produção via ato associativo e cooperativo em áreas urbanas e rurais, na perspectiva do cooperativismo popular e da economia solidária. No âmbito do ensino, a equipe é responsável pela graduação Tecnológica em Gestão de Cooperativas, que se desenvolve no CCSA mediante fomento do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Parceria
A fim de consolidar e praticar os conhecimentos técnicos aprendidos e apoiar projetos de economia solidária foi criada a IFSOL, tendo como uma de suas precursoras a professora Denise Momo, que hoje é uma das coordenadoras da incubadora. Além de ter sido incubada pela Oasis da UFRN, a IFSOL trabalha em conjunto com a universidade para somar conhecimentos atrelados a cada área de estudo, aprendizado e atuação. Para Ana Paula Santos, sócia e coordenadora da Cooperativa de Artesãs e Costureiras de Parnamirim (CCAPAR), “o IFRN e a UFRN têm nos ajudado nesse processo de autogestão, porque mesmo nós não temos noção de até onde podemos ir, porque falta às vezes a partilha dos trabalhos, por exemplo”.
A parceria foi fundamental para realização do II Fuxica, que, além de reunir as artesãs de Natal, conseguiu ampliar a participação de mulheres dos municípios da grande Natal. “Esse é um evento de afirmação de quem participa da economia solidária, porque mostra que nós temos que entender o processo gestionário. Mostra realmente os trabalhos feitos pelos grupos assessorados, além de ser uma questão política, de estar consolidando a economia solidária para dizer que ‘sim, nós somos eficientes e eficazes’”, ressalta a professora Denise Momo.
Outras informações sobre o projeto e ações podem ser consultadas no site da Oasis e no Instagram da Oasis e do IFSOL do IFRN Zona Norte.
Fotos: Jeferson Rocha
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